Abril trouxe mais uma oportunidade imperdível que, certamente, a Poesia me trouxe: duas horas por semana para conversar com o mestre Zé Salvador, cordelista e sonetista muito técnico, produtivo e inspirado, sobre essa paixão comum que é o Soneto. Depois de ter obtido uma grande repercussão com a Oficina de Cordel em 2024 - que está com sua segunda turma em andamento no momento - Zé Salvador ofereceu à Casa de Cultura Heloísa Alberto Torres, em Itaboraí, a realização gratuita de uma Oficina de Soneto, para ensinar os fundamentos dessa forma poética que trafega por quase 800 anos na literatura mundial.
Eu, que escrevo sonetos há exatos quarenta anos, e que tive de aprender os fundamentos lendo manuais de versificação e conversando com os poetas mais velhos, que passavam dicas talvez por pena do meu esforço nem sempre recompensado com bons textos, vejo que uma oficina como esta é valiosa para um poeta, mesmo aquele que nunca pensou em escrever um soneto. E valiosa para quem lê poesia.
Como escrevo sonetos há tanto tempo, certamente não estou na oficina para aprender a escrevê-los. Estou para trocar experiências e exercitar, especialmente, outros metros que negligenciei ao longo dos anos em favor dos meus amados decassílabos. Os alexandrinos que escrevi conto-os nos dedos. Os sonetos em Arte Maior, com suas impenetráveis onze sílabas, sempre me causaram estranheza - com eles, não me sentia à vontade e, por isso, fiz alguns como exercício e só.
Hoje, depois do papo na primeira aula e de ser presenteado por Zé Salvador com o livro No Galope da Poesia, publicado pela Academia de Cordel de Santa Catarina, apenas com sonetos em Arte Maior, em que meu mestre-oficineiro escreve uma introdução sobre a história do soneto e publica, também, um de seus belos sonetos, me reconciliei com os endecassílabos e já escrevi três sonetos que vou publicar por aqui. O primeiro, VELEIRO, já está no site.
Percebo que toda a minha história com essa forma poética é uma viagem que está longe de terminar. Certamente, escreverei sonetos até meu último dia, se a saúde me permitir. E quanto mais souber sobre eles, quantas mais variações eu puder exercitar e produzir, melhor.
Não sei o que guardei de memória ou que construí, para uma futura mitificação, como fazemos todos com determinados fatos, porém, registrado está que há exatos quarenta anos, em 05 de abril de 1985, eu escrevi meu primeiro soneto e, de forma consciente, dei início à minha carreira de escritor com a inseparável Poesia - esta que me traz pelas mãos até hoje. Naquele dia (fato ou mito?) resolvi começar um livro de sonetos, inspirado por mestres que estavam povoando minha mente, especialmente Olavo Bilac. Sim, eu também já quis ser parnasiano - e que bom que desisti.
A viagem seguiu. Em poucos meses, imbuído de alguma autoconfiança nunca mais repetida, me inscrevi no Concurso de Poesia da CEIA, a Comunidade Estudantil do Instituto Abel, onde eu estudava. O 2º lugar, com o soneto "Crepúsculo de um Sonho", lugar mostrou que havia algum potencial ali, mas que autoconfiança não era tudo. Lembro do dia (fato ou mito?) em que Aníbal Bragança, o proprietário da Livraria Guttemberg, me recebeu para me conceder o prêmio pelo segundo lugar no concurso: livros. Bom aquele tempo em que um livreiro apoiava novos escritores - um tempo em que livreiros não eram uma espécie em extinção. O bom Aníbal faleceu em fevereiro de 2022.
No final daquele ano de 1985, minha mãe, a inesquecível Dona Elza, fez aquele esforço supremo de reunir trocados, ou abrir um crediário (nunca me disse) e comprar um presente para o meu aniversário. Por alguns anos eu pedia um violão. Realmente, a julgar pelos preços de hoje, foi uma façanha que ela, que ganhava apenas um salário mínimo e nunca teve condições de acumular um centavo, criando sozinha um filho, tenha comprado aquele violão - que chegou com um aviso: "É pra aprender a tocar mesmo, hein, menino! Não posso jogar dinheiro fora!". Mãe mineira é outra coisa. Não levou muito tempo para que tocasse para ela a sua música preferida dos Beatles: "Michelle". Sou beatlemaníaco de berço.
Aprendi o suficiente para compor, musicando meus poemas, me reunir numa banda com pessoas especiais, como a cantora Virgínia Gomes, por vezes chamada pela turma de Nina Brown (segredo agora revelado para a eternidade) e hoje Nina Gomes - que, viagem que segue, um dia se tornaria minha namorada e esposa, mãe de nossos filhos, amor de uma vida inteira. E também meu amigo Ricardo Mann, parceiro musical eterno, padrinho de casamento, anfitrião daquele Carametade (que não tocava pagode e veio antes do quase homônimo paulista). E Marcello Pires. E Flávio Wilner. E Hugo Moreira. E Márcia Miranda. E os amigos / roadies / convivas, que não estavam na banda, mas era como se estivessem - Márcio Peixoto, Daniel Escocard, Márcia Regina, Guilherme Cabelo, George Maxi (na época Jorge Zeppelin), Margarida Moutinho e muitos outros amigos, alguns que já nem vejo mais, que talvez me faltem agora.
Foi a Poesia que me levou à Música. A Música definiu minha vida, minha família. A Poesia e a Música me levaram ao Teatro, quando reencontrei aquela autoconfiança para virar dramaturgo, e escrever duas peças musicais em 1987 e 1988. Eu que nunca tinha ido ao palco a não ser para cantar, em festivais e missas, ou para falar poesia, ingressando sei lá como no movimento das "performances" poéticas que rolava por Niterói naquela época, em bares já falecidos como o Studio 13. Certa vez, tive que ir até o bairro Paraíso, em São Gonçalo, resgatar o original de uma dessas peças, que havia deixado com uma atriz que pretendia encenar. Essa peça, chamada "Sobre o voo", nunca foi montada e o texto chegou a ser dado como perdido. Um dia, publicarei por aqui.
A Poesia, acredite, me levou a Jornalismo. Achei que iria dar conta de ganhar a vida escrevendo, mas como escritor morria de fome e jornalista não, acabei no jornalismo. Hoje, tá difícil para os dois. Foram mais de 30 anos de atividade e, mesmo nos últimos cinco, em que estou na Casa de Cultura Heloísa Alberto Torres, como coordenador de Patrimônio, Acervo e Memória, ainda sou aquele que escreve os releases, faz entrevistas, etc. E minhas séries de textos biográficos são, basicamente, a sequência de uma carreira jornalística no rumo que eu decidi tomar.
A viagem seguiu por Itaboraí, Tanguá, pelos palcos da vida falando poesia eventualmente, atuando e cantando em peças de teatro, escrevendo sempre, e muito, mas com uma frustração interminável por nunca ter escrito um romance. Tentava e não concluía. Um fardo. Uma dor. Até que em 2017, depois de estudar técnicas e processos de escrita por conta própria durante um ano, entrei no desafio Nanowrimo e, no mês de abril, sempre ele, escrevi "No Rastro de Shakespeare", meu primeiro romance, mistura de ficção científica e teatro. Um dia ele também vai chegar por aqui. Depois dele, vieram dois outros, também escritos em dois meses do Nanowrimo em 2020, abril e julho. Na semana passada, soube que o Nanowrimo não vai mais acontecer e que a plataforma será encerrada - mais um que morre nesse longo caminho de 40 anos.
Alguns amigos e parceiros foram ficando pela estrada. Inevitável lembrar de Zeca Palácio, meu maior parceiro no teatro, o diretor que mais encenou minhas peças. Graças a ele surgiu a ideia de produzir o primeiro auto para o Padroeiro de Itaboraí, São João Batista. Eu escrevi em um mês, abril (ele de novo, sempre ele) de 1999. A peça e sua trilha sonora, que eu mesmo interpretei ao vivo em muitas apresentações, no Teatro João Caetano de Itaboraí e na escadaria da histórica Igreja de São João Batista, em Itaboraí. Foram várias montagens e a peça até virou um filme, em 2021, com direção de Tiago Atzevedo, trazendo um bravo elenco de quatro atores que interpretaram mais de 30 personagens: Gabriel Mattos, Wagnera, Gleyna Gleyce e Margarete Borba.
A Poesia também me levou ao concurso Banco de Talentos de 2007, da Febraban, e coube a um dos meus sonetos - companheiros de sempre - o encerramento da coletânea feita pelo projeto. Está lá "Eu e você no quadro", que cita Monet mas é claramente surrealista. E o capítulo mais recente dessa minha viagem conduzido pela Poesia foi a volta aos saraus. Aí surgem outros parceiros, Pedro Garrido, organizador do Sarau (Uni)versos Livres, que eu ajudo a produzir todo mês na Casa de Cultura Heloísa Alberto Torres, desde 2023, e Zé Salvador, o grande escritor e divulgador do Cordel que, como ele mesmo diz, "despertou" meu lado cordelista. Junto com eles, uma legião de amigos, que poderia citar um a um aqui e a quem agradeço sempre.
A viagem ainda vai longe. O site em que você lê essas linhas, com quase 20 anos no ar, já esteve por um triz para ser deletado. Nem sempre me convenço da relevância da internet, essa terra de ninguém, sem ética e sem regras. Mas é aqui onde publiquei alguns livros, já que não foi possível ainda publicá-los de forma física. Isso virá, em breve, pois não quero deixar um baú de textos empacotados, que apenas viajaram, mas nunca desembarcaram. Há muito para publicar e, neste mês de abril, estou me sentindo vivo, criativo, produtivo, cheio de coragem. Mais do que isso, não posso pedir.
Pois é, minha gente! Desde o dia 19 de outubro posso me dizer, oficialmente, cordelista - e com a bênção de um dos grandes nomes desse gênero literário tão brasileiro: o mestre Zé Salvador. Paixão antiga, que já ocupou minhas pesquisas para peças teatrais mais de duas décadas atrás, o cordel sempre me causou certo fascínio. Essa maneira de contar histórias, que vão do fantástico ao humorístico, do noticioso ao romântico, do biográfico ao universal, é um dos grandes fenômenos que a arte popular brasileira pôde criar, naquela mistura tão típica. Ainda que com base na poesia portuguesa, foi no Brasil, mais especificamente no Nordeste, que cantadores e poetas foram sintetizando o que chamamos hoje de literatura de cordel, em forma de livretos, com sextilhas, septilhas, galopes e muitas outras.
A oficina da Casa de Cultura Heloísa Alberto Torres, em Itaboraí, permitiu conversas inesquecíveis com Zé Salvador, um divulgador incansável dessa arte, e também com minhas colegas de turma - Cleidiane Montel, Elizabete Silva, Rafaella Fragoso e Valéria Souza. Percebi que, de fato, a experiência já longa no uso de métrica e rima me ajudaram muito a cair dentro do cordel, sem medo de me machucar. Porém, várias especificidades do cordel, que o poeta acostumado a outro gênero geralmente desconhece, nos foram apresentadas por Zé Salvador.
Resultado de todo esse processo - dez aulas muito proveitosas - foram dois cordéis, transformados em livretos impressos pela própria Casa de Cultura Heloísa Alberto Torres, como forma de conclusão da oficina. "O Cordel em Ação Ocupando o Seu Espaço", o primeiro deles, é uma criação coletiva, composta por todos os alunos. E não foram poucos os debates para que se chegasse à forma final, com a supervisão de Zé Salvador. Já o outro título, "A Incrível Viagem de Zé Salvador a Itaboraí', foi escrito por este que vos fala, arriscando desenvolver um tema que propus no início da oficina. Produzimos outros textos, em outros formatos, fizemos glosas para motes, conhecemos alguns dos clássicos e seus autores e brincamos com esse universo literário. Foi uma experiência incrível.
Para concluir, no dia 19 foi realizado o 1º Encontro de Cordel da Casa de Cultura Heloísa Alberto Torres, em que lançamos os dois cordéis e recebemos os certificados de conclusão. Uma festa muito bonita (deixo, abaixo, o link para o álbum de fotos), com a presença de outros grandes nomes do cordel como Sepalo Campello e Ezequiel Alcântara e do professor Erick Bernardes, além de vários escritores da região, com destaque para Pedro Garrido (do Sarau (Uni)viersos Livres) e JC Gomes, que também fizeram uso da palavra.
Por último, e não menos importante, destaque para Amanda Gomes, minha filha, grande artista plástica, que fez as ilustrações para os dois folhetos, embelezando aquelas pequenas pérolas. Publico aqui no site os folhetos de cordel para download gratuito (foram produzidos para distribuição gratuita) e espero que os visitantes do site gostem. O link para os livretos segue também abaixo.
O CORDEL EM AÇÃO OCUPANDO O SEU ESPAÇO
A INCRÍVEL VIAGEM DE ZÉ SALVADOR A ITABORAÍ
Mês de setembro, este precário e, por que não dizer, preclaro site completa nada menos do que 18 anos de existência, nas terras virtuais. Quando penso na quantidade de gente, empresas, vocações e títulos que perdemos neste tempo - eu e o meu Flamengo - já começo a achar que estou ficando velho. E olha que já nasci velho, como podem comprovar todos que me conhecem.
O site, que costumo comparar a uma garrafa de náufrago, segue cumprindo sua complicada missão de levar a mensagem de um escritor / compositor / dramaturgo obscuro àqueles que tiverem tempo, vontade e, quero eu crer, sensibilidade para receber. Mensagem sempre depende do emissor, é claro, mas também do receptor. Escrever para ninguém é uma atividade deprimente, ainda que possa servir de alegada terapia para alguns.
Neste já quase findo 2024, publiquei pouco propositalmente - já que passei algum tempo envolvido em outros projetos e também precisava de tempo para avaliar o que fazer com este espaço. Poderia, simplesmente, encerrar as atividades, pois já considero surpreendentes os resultados atingidos pelo site: quase 35 mil downloads de livros, 400 textos publicados, músicas com mais de mil audições...
Mas quero manter o site e, dentro do possível, melhorar a experiência. Deixo aqui, sinto muito, uma crítica ao provedor - o Recanto das Letras - por não renovar há uma década as opções de modelo para o site. Uso o único deles personalizável, com a arte brilhante feita pelo meu amigo e parceiro Ricardo Mann, mas já passou do tempo de renovar. Mudar de provedor implica em outros problemas que não posso administrar no momento.
Espero, no próximo ano, publicar em áudio todos os textos que postei, como forma de acesso para os deficientes visuais. Vou gravar aos poucos, mas me coloquei esta missão. Os livros /e-books receberão novas edições até o final deste ano, como parte da criação de uma "coleção" dos meus textos. E esperem a chegada de novos e-books, de gêneros textuais variados, como de resto é quase tudo por aqui. O carro-chefe é a poesia, mas há muito mais envolvido.
De resto, não posso deixar de agradecer aos leitores, ouvintes, amigos que passam aqui regularmente em busca de novidades ou aqueles esporádicos, que deixam seus comentários. Valeu pela força, gente! Abraços a todos!
Em tempo: imagem © Shutterstock
Um projeto muito gostoso de participar, até porque ser da minha filha Amanda Gomes, ilustradora e aquarelista, é a exposição MULHERES PIONEIRAS DO BRASIL. A primeira fase do projeto, em que Amanda apresentou dez aquarelas de mulheres que desbravaram o caminho em diversas áreas no Brasil, aconteceu em 2022 - com uma exposição na Casa de Cultura Heloísa Alberto Torres, em Itaboraí.
Agora, com recursos do Ministério da Cultura, através da Lei Paulo Gustavo, em edital publicado pela Secretaria de Cultura e Turismo de nossa cidade, Tanguá, Amanda pôde produzir mais 20 aquarelas dessas mulheres, abrangendo esporte, cultura, comportamento, política, profissões variadas, enfim, um espectro amplo da influência das mulheres no crescimento do Brasil e na conquista de direitos para as próprias mulheres.
Minha participação nisso tudo, além da ajuda na produção e na construção do projeto apresentado, passa pela produção de textos biográficos (pequenos textos de 140 a 150 palavras) sobre cada uma das retratadas pelas belas aquarelas de Amanda Gomes.
No caso da exposição, que ficou em cartaz de 20 a 22 de agosto, inicialmente como previsto pela Paulo Gustavo, mas que acabou sendo prorrogada até o dia 27 do mesmo mês, a escolha do espaço foi um dos grandes acertos. Levar a exposição não para um espaço cultural central, mas sim para um na periferia urbana de Tanguá, no bairro de Bandeirantes 2, fez com que o projeto alcançasse um público inteiramente novo, pessoas que, muitas vezes, tomaram contato com uma exposição de artes plásticas pela primeira vez.
A recepção por parte da direção e equipe da Estação Cidadania de Bandeirantes 2 é algo que se deve destacar, pois a iniciativa de uma exposição como esta era algo inédito naquele espaço - em uma espécie de galeria aberta, na área de circulação do centro cultural. Crianças e jovens, grande presença de mulheres e até mesmo de escolas, tudo contribuiu para que o projeto tivesse visibilidade e provocasse as discussões e reflexões que buscava provocar.
Para completar, Amanda Gomes ofereceu duas contrapartidas. A primeira, para a cidade de Tanguá, foi a produção dos retratos de três mulheres de destaque na história do município: Maura conceição, Dulce Lopes Garcia e Tereza Campins Gonçalves. A segunda, para a Estação Cidadania, foi uma oficina de aquarela, realizada no dia 27 de agosto, inteiramente gratuita, em que a artista atendeu a um grupo de 22 alunos, oferecendo todo o material.
MULHERES PIONEIRAS DO BRASIL é um projeto sempre em andamento. Há mais e mais mulheres a serem retratadas, buscando tirar da invisilidade histórica os rostos dessas personagens que foram fundamentais para a construção de um Brasil melhor. Deixo aqui algumas fotos e o link para o álbum de fotos aqui no site e o perfil do projeto no Instagram. Em breve, a exposição irá alcançar outros espaços na região. Aguardem.